Sete Lagoas: dignidade para todos — reflexões sobre o cuidado com animais e a desigualdade nos cemitérios públicos
No dia 27 de maio de 2025, durante reunião ordinária da Câmara Municipal de Sete Lagoas, um vereador agradeceu publicamente ao prefeito Douglas Melo pelos avanços nas políticas públicas de saúde animal. Ele relembrou que foi o autor da lei que criou o Castramóvel e o Hospital Veterinário, atualmente em pleno funcionamento e prestando relevantes serviços à população.
Na mesma ocasião, anunciou uma nova proposta apresentada ao Executivo: a criação do primeiro cemitério público para animais da cidade. Segundo ele, o prefeito já se comprometeu com o envio do projeto de lei e encaminhou tratativas junto à Secretaria de Governo para definição do local onde será construído.
Essa iniciativa valoriza o cuidado com os animais e com a saúde pública, mas também chama a atenção para uma importante contradição: como garantir dignidade no pós-vida para os animais, quando nem todos os humanos recebem esse direito em igualdade de condições?
Ao visitar o Cemitério Parque Boa Vista, é evidente a separação social entre os espaços. A parte nobre, voltada a quem pode pagar mais, possui gramado aparado, cerca viva e uma casa colonial bem estruturada para velórios. Já a área pública, destinada à população de baixa renda, é marcada por um barracão simples e velho, gramado alto, cercas de tela enferrujadas e aparência de abandono. É uma divisão que reflete desigualdades históricas — até mesmo no momento do luto.
O cemitério está sob concessão. Isso significa que a prefeitura cedeu à empresa concessionária o direito de gerir, operar e lucrar com os serviços funerários: venda de jazigos, taxas de manutenção, aluguel de salas de velório, entre outros. Essa exploração econômica deve vir acompanhada de contrapartidas sociais e critérios mínimos de manutenção, definidos em contrato e fiscalizados pelo poder público.
Propostas de contrapartida social à empresa privada do cemitério:
1. Manutenção da área de sepulturas populares
Proposta: a concessionária pode adotar a área do cemitério municipal destinada a sepultamentos gratuitos ou subsidiados, oferecendo limpeza regular, capina, restauração de cercas e calçadas, pintura e sinalização adequada.
Justificativa: assegurar o mínimo de dignidade aos sepultados e suas famílias, especialmente as mais vulneráveis.
2. Reflorestamento ou jardinagem de espaços públicos internos
Proposta: considerando que o cemitério já possui expertise em paisagismo e áreas verdes, pode-se atribuir à empresa o cuidado com as áreas comuns da parte popular, promovendo plantio de árvores, manutenção de jardins, poda e revitalização ambiental.
Justificativa: valorizar esteticamente e emocionalmente o espaço de luto das famílias mais pobres, aproximando os padrões de cuidado entre todas as áreas do cemitério.
Essas medidas são viáveis e justas — especialmente diante da lucratividade que a empresa obtém com a concessão. Se há lucro privado sobre o bem público, deve haver também responsabilidade social proporcional.
A criação de um cemitério para animais é um passo positivo — e deve inspirar uma reflexão ainda mais profunda: não é aceitável que o respeito à vida e à memória dependa da condição financeira de cada cidadão. É papel da administração municipal rever contratos de concessão, fiscalizar seu cumprimento e exigir igualdade no cuidado com os espaços públicos, inclusive cemitérios.