Vozes em Movimento
Quando o diálogo é um grito coletivo: o papel dos movimentos sociais e do poder público na construção das políticas para as mulheres
O 3º Fórum de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Sete Lagoas, realizado hoje, foi marcado por um momento importante de expressão política e tensionamento democrático.
A sociedade civil organizada, representada por sete movimentos sociais, coletivos e entidades que reúnem mais de mil mulheres do município, apresentou uma nota pública de repúdio com críticas e propostas concretas à gestão municipal, reivindicando políticas públicas efetivas, permanentes e com participação social real.
No entanto, a fala da secretária municipal da Mulher, Karine Araújo, trouxe à tona uma questão estrutural sobre as relações entre movimentos sociais e poder público.
Segundo a secretária:
“As portas da Secretaria da Mulher sempre estiveram abertas. Tivemos o VÁRIAS como parceiro em várias ações. Este ano, fomos convidados para uma feira, e eu respondi por e-mail. Nenhum coletivo que tem feito críticas esteve na Secretaria para construir nada coletivamente. [...] Hoje era um dia para o diálogo e a construção coletiva, mas não recebemos propostas de alguns coletivos, e isso é lamentável.”
A fala reflete uma visão institucional que, embora busque reafirmar abertura ao diálogo, acaba desconsiderando o grito social que se manifesta fora das estruturas oficiais do Estado.
Os movimentos sociais não se limitam à formalidade burocrática — seu papel é tensionar, provocar e denunciar quando as políticas públicas se afastam das necessidades reais da população. A crítica pública é, por si só, uma forma de proposição, pois coloca na pauta o que está invisível, esquecido ou negligenciado.
No caso deste fórum, a nota coletiva não apenas criticou, mas apontou caminhos, denunciando a falta de estrutura permanente, a ausência de equipe multidisciplinar e o esvaziamento das políticas públicas de gênero no município.
Dizer que “não houve propostas” é ignorar a potência política da crítica organizada, que expressa a dor e a resistência de mulheres que vivem na ponta — nas periferias, nas ocupações, nas ruas, nas comunidades, nas lutas diárias por dignidade.
Por outro lado, é inegável que a gestão pública enfrenta limites concretos: orçamentos restritos, ausência de equipe técnica suficiente e, muitas vezes, a herança de uma estrutura institucional precária. A secretária reconheceu que a Secretaria da Mulher só começou a funcionar efetivamente em 2024 e que ainda carece de base legal para manter uma equipe multidisciplinar permanente.
Mas justamente por isso, o reconhecimento das limitações deve vir acompanhado da escuta e da construção conjunta, e não da deslegitimação dos movimentos que cobram respostas.
O comportamento esperado do poder público diante das vozes da sociedade civil é o da escuta ativa, corresponsabilidade e transparência. O papel dos movimentos sociais, por sua vez, é não se calar, continuar denunciando as omissões e apresentar alternativas de transformação social, mesmo quando o poder resiste a ouvi-las.
A democracia se fortalece no conflito ético entre visões diferentes, e não no silenciamento.
Os movimentos sociais são parte viva da política pública — e o poder público precisa reconhecer que sem o grito das mulheres organizadas, não há política de enfrentamento à violência, há apenas discurso.
Fonte: CM7 3º Fórum de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Sete Lagoas
By Rute Alves