Não é porque está na UBS que é APS
No bairro Cidade de Deus, em Sete Lagoas (MG), a lógica ambulatorial se impõe à Atenção Primária à Saúde, esvaziando a potência do cuidado no território.
Vejo uma multidão de profissionais da saúde insatisfeitos, nas ruas, exigindo direitos e condições dignas de trabalho. E nunca lhes tiro a razão. São vozes legítimas contra a precarização e o esgotamento de quem sustenta o SUS na ponta.
Mas quando as proposições se confundem, e as demandas se tornam apenas ambulatoriais — marcadas por filas intermináveis, atendimentos cronometrados e metas que priorizam números em vez de gente — aí já não estamos mais falando de Atenção Primária à Saúde (APS).
"É o que se vê, por exemplo, no bairro Cidade de Deus, em Sete Lagoas (MG). Uma região marcada por desigualdades históricas, onde a UBS que deveria ser um ponto estratégico do cuidado integral e coletivo acaba funcionando como um ambulatório: consultas, exames, encaminhamentos e pronto".
Não é porque está dentro de uma UBS que é APS.
Não é porque se tem um profissional de Medicina de Família e Comunidade que é APS.
A APS de verdade se faz com escuta, vínculo, presença no território, ações coletivas, visitas domiciliares, articulação com outras políticas públicas e reconhecimento dos saberes populares. Ela não cabe em uma sala com porta fechada.
Enquanto isso, moradores da Cidade de Deus seguem com suas dores invisibilizadas, suas demandas tratadas como exceção e seu território negligenciado. E os profissionais da saúde, por sua vez, são engolidos por uma lógica de trabalho que os impede de exercer o cuidado como ele deve ser: integral, humano e transformador.
E por aí, como anda o ambulatório de saúde da família do seu bairro? Está substituindo a APS? Ou estamos dispostos a reverter esse processo e reafirmar a saúde como direito e o território como centralidade?