A esquerda que conservou Sete Lagoas
Sete Lagoas é uma cidade conservadora. Mas esse conservadorismo não brotou do chão por acaso — ele foi cultivado, regado e mantido por uma esquerda que abandonou seu compromisso com a formação crítica, com o trabalho de base e com o enfrentamento real das estruturas de opressão. A cidade é conservadora porque a esquerda que atua aqui também é — conservadora nas práticas, nas alianças e nos silêncios.
Aqui, a periferia sobrevive com os benefícios sociais garantidos por políticas de governos progressistas — como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e as cotas raciais e sociais. No entanto, os votos saem para projetos da direita. Isso não é falta de gratidão: é falta de consciência política, ausência de disputa narrativa e negligência com a alfabetização popular.
O povo não tem culpa. “Meu povo sofre por não saber”, já dizia o autor. Sofre porque foi deixado à mercê das igrejas moralistas e dos discursos fáceis da extrema-direita, enquanto a esquerda se aquietou, se elitizou, se afastou dos territórios e passou a se alimentar do próprio ego.
E como se não bastasse, o episódio mais recente envolvendo a tentativa de candidatura de uma mulher negra à presidência estadual do PT escancarou ainda mais a lógica excludente que impera. Dandara, deputada federal, mulher negra, com base popular e trajetória de luta, foi impedida de disputar a presidência do partido em Minas Gerais. E Sete Lagoas — com seu histórico de complexo de vira-lata e uma liderança local que teme o protagonismo do povo preto — foi uma das vozes que se levantaram contra ela.
Essa postura revela muito: não se trata de um episódio isolado, mas da confirmação de que a esquerda local não quer transformação — quer manutenção. Não quer empoderar novas lideranças — quer preservar seus pequenos tronos. Não quer romper com o racismo estrutural — quer silenciar e invisibilizar quem ousa enfrentá-lo.
Enquanto isso, o povo do Jardim dos Pequis, da Cidade de Deus e do Itapuã segue sem referência, sem orientação, sem voz. A esquerda não senta mais nas calçadas pra conversar, não ouve as mães solo nem os jovens negros, não enfrenta o genocídio da juventude periférica, não acompanha os desmontes na saúde e na assistência social. Fica em eventos fechados, lives com linguagem rebuscada e disputas internas que em nada mudam a vida de quem está nas filas do CRAS ou da UPA.
Se queremos uma Sete Lagoas diferente, precisamos de uma esquerda diferente. Uma esquerda que fale simples, que ouça muito, que forme politicamente, que organize o povo com afeto, firmeza e coerência.
Porque o povo não é conservador por essência — é conservador porque foi deixado sozinho.
E enquanto a esquerda continuar conservando os mesmos espaços e silenciando as mesmas vozes, será cúmplice da permanência da opressão.
By Rute Alves – Editora Chefe ativista popular | Agência RMBH