Direito é de Todos: Carnaval, Fé e o Uso Democrático das Ruas
No próximo dia 30 de junho, a Câmara Municipal de Sete Lagoas sediará uma audiência pública para discutir o Projeto de Lei nº 245/2025, que propõe proibir a passagem de blocos carnavalescos em frente a igrejas católicas e evangélicas no município. A proposta levanta questões fundamentais sobre quem tem direito à rua e como o espaço público é disputado entre diferentes expressões culturais e religiosas.
É preciso reafirmar que carnaval é cultura. Mais do que entretenimento, trata-se de uma manifestação histórica, de matriz popular e afro-brasileira, reconhecida como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Garantido pela Constituição no artigo 215, o direito à cultura deve ser respeitado e promovido pelo poder público, especialmente em tempos em que diversas manifestações artísticas enfrentam tentativas de silenciamento.
Sob o argumento de garantir o “respeito religioso”, o projeto tenta restringir o carnaval, como se a fé fosse incompatível com a alegria. Mas quem vive em Sete Lagoas sabe: procissões religiosas ocupam vias públicas com frequência — inclusive de madrugada — com buzinas, chocalhos, fogos, alto-falantes e cortejos que atravessam bairros inteiros. Isso também é parte da cultura local e, justamente por isso, é respeitado. A pergunta que fica é: por que esse mesmo respeito não se aplica ao carnaval?

O que está em disputa aqui não é apenas o som, mas o direito de existir no espaço público. Quando um grupo é impedido de se manifestar porque seu modo de expressão é considerado incômodo ou “inadequado”, temos um problema sério de desigualdade de direitos. O princípio da laicidade do Estado exige equilíbrio: nenhuma crença pode se sobrepor às outras manifestações sociais, muito menos ser usada para cercear expressões culturais.
Não se trata de opor religião e carnaval. O que se defende é o direito coletivo à convivência plural e democrática. A rua é de todos: do fiel e do folião, do devoto e do brincante. Um espaço verdadeiramente público precisa acolher a diversidade — com diálogo, com organização, com respeito mútuo.
Projetos como o PL 245/2025 abrem precedentes perigosos. Hoje é o carnaval; amanhã, podem ser os grupos de capoeira, os terreiros, as festas juninas, os saraus. E quando se cala uma manifestação cultural, não se atinge apenas quem está na rua: se atinge a liberdade de um povo inteiro.
Convidamos a população a comparecer à audiência pública e participar do debate. Porque a rua é lugar de fé, de arte, de alegria e de luta. E o direito à cidade pertence a todos — sem exceção.
By Rute Alves de Lima Editora Chefe
Agência RMBH